2017-02-16

O Tribunal da Relação de Coimbra reconheceu em decisão, que não é de todo intuitiva, que a presunção de posse deve prevalecer sobre a presunção de registo, atribuindo o direito de propriedade ao possuidor do imóvel, em termos que merecem uma breve análise.

Como é sabido, a propriedade de um imóvel pode adquirir-se por contrato, testamento, doação, usucapião, etc. Todavia, essa propriedade tem obrigatoriamente de ser registada, sob pena de não produzir efeitos perante terceiros. Podemos então concluir que o registo constitui uma forma de dar publicidade às situações jurídicas, ou seja, de permitir a qualquer pessoa o acesso a informações acerca de um bem ou negócio que tenha sido registado. Assim sendo, ninguém pode afirmar que desconhecia que determinado imóvel pertencia a outra pessoa porque, estando o imóvel registado, era possível saber quem era o proprietário antes da aquisição ou do uso do imóvel, por exemplo.

Por sua vez, a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício de um direito sobre a coisa. Da posse advém uma presunção de titularidade do direito, desde que o bem não esteja registado a favor de outra pessoa no início da posse.

Antevê-se já um problema: e quando existam duas presunções, uma fundada na posse, e outra fundada no registo? Foi esta a questão recentemente decidida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 12/05/2016, em que os possuidores de um logradouro “usaram” o imóvel, como se fosse seu, desde 2000, ao passo que os proprietários registaram o imóvel a seu favor somente em 2014.

Sendo a posse anterior ao registo, o tribunal decidiu que a propriedade se tinha constituído a favor dos possuidores, em prejuízo das regras da presunção registal. Esta decisão assenta na tutela da relação substancial existente: se os possuidores usavam o logradouro como seu, reiteradamente, há 16 anos, o seu direito deve prevalecer sobre quem tem uma relação meramente registal com o imóvel há dois anos. Importa clarificar que a expressão “usavam” se refere à posse, ou seja, “…à assunção de poderes de facto sobre a coisa e o exercício de tais poderes como titular do respetivo direito de propriedade …”, como refere o presente acórdão.

Na mesma linha argumentativa, também os tribunais da Relação do Porto e de Évora já se pronunciaram em 2017 pelo reconhecimento da posse anterior ao registo do direito de propriedade.

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